17.2.06

Infância na Fronteira I

Inverno. Chovia. E muito. O barulho da chuva caindo era multiplicado nas folhas de zinco que cobriam os barracos dos operários que chegavam para preparar o plantio do arroz. Frio e chuva. Quase ninguém se atrevia a sair e enfrentar a noite quase na fronteira com o Uruguai. Só Cuíca teve coragem. Recebeu um bilhetinho para um encontro sob a marquise do armazém. Não reconheceu a letra desenhada, mas taura criado na campanha, não podia deixar que o frio e a chuva testassem sua fama de conquistador. Correu. Ficou encharcado. E esperou. Meia hora depois, nada de a chuva diminuir e nada da dona do bilhete chegar. Já se preparava para correr em direção ao acampamento quando sentiu o perfume. Tomou um susto. Mulher casada. Mulher desejada. Encrenca das grandes. Mulher de chefe. Nem quis conversa. Deu um boa-noite seco e virou as costas. Foi agarrado pela camisa molhada e, agora, rasgada. Pediu licença. Sentiu o abraço. Tentou sair. Ouviu o grito. "Me larga, me larga", gritou a dona. E ele de braços abertos, tentando mostrar que não era dele o abraço. Ficou esperando a confusão se armar. Ninguém apareceu. O barulho da chuva nos telhados de zinco abafou os ruídos e a ansiedade de uma dona faminta. Abafou os ruídos quase animais de um amor mal feito, apressado. O dia nem tinha amanhecido quando o taura deixou suas pegadas na lama. Fugiu. Se ficasse, corria o risco de atender a um novo chamado. Na noite seguinte, nem o vento impediu que se ouvisse o grito desesperado de uma mulher. Cuíca já estava longe.

Nenhum comentário: