9.8.07

Lobinho do Mar

Granja Mangueira.
Foi lá que passei minha infância.Portanto, minhas lembranças de criança, as principais, com certeza, estão guardadas lá. Na escola, nas amizades, na colheita de arroz e no trato com o gado e o rebanho de ovelhas.
Criado na campanha, minha educação foi a mais correta possível. Meus pais sempre foram muito bem informados e minhas professoras excelentes. Sempre tentei respeitar todos os conselhos e tentava me cuidar ao máximo para evitar uma reprimenda do meu pai, que era mais duro e mais exigente no bom comportamento.
Mas um dia, meninos em grupo são o cão virado, fui tomar banho num canal por onde corria a água para as lavouras de arrz. Isso era permitido. O que não era permitido era saltar dos locais onde a água saía dos canos jogada por bombas potentes. Ali, invariavelmente, o fundo era mais embaixo. Eu mergulhei...e, de repente, senti que não teria fôlego para voltar a superfície. Lembro que só consegui pensar em Nossa Senhora de Fátima, pedi ajuda e, ainda tentando subir, me agarrei na lateral do canal e consegui sair, para alívio dos meus amigos, que já estavam desesperados.
A partir de então, resolvi que treinaria muito até aumentar meu tempo de permanência debaixo dágua. Com certeza não devo ter chegado a nenhum índice olímpico.
Mas...Meu teste aconteceu tempos depois, nas férias de verão.
Foi aí que aprendi que todas as teorias de bom comportamento caem por terra quando o olhar de menino passa da bola ou dos carrinhos de lata de óleo de soja para...os olhos de uma menina.
Um dia desembarcaram na Granja, sobrinhos e amigos de um dos gerentes da empresa. Entre eles, "a" menina.Não consegui (até porque nem tive chance!) evitar me tornar o menino deslumbrado, louco para chamar a atenção, para ser o foco de tudo, para ser o anfitrião e o guardião dos locais mais interessantes do local onde morávamos. As tocas de perdizes, os ninhos onde as emas deixavam os ovos imensos (olhos de menino!), o local para banho nos canais de irrigação. Essa era a vantagem que eu achava que tinha. Um dos primos da menina, tão interessado nela quanto eu, também disputava a atenção. Logo se impôs uma animosidade. E brigar não iria adiantar. Eu era menor e não gostava de brigas. A disputa teria que ser vencida na inteligência. Os dias passavam, as férias estavam acabando e, sinceramente, eu não estava sendo o melhor dos conquistadores. Primeiro porque tenho a certeza hoje de que nosso alvo não queria virar troféu de caça. Acho que não estava nem aí para a disputa. Mas como mulher...certamente estava gostando de ter a atenção disputada por dois fedelhos. Já tinha perdido as esperanças quando, dois dias antes de deixarem a granja, fomos todos passar um dia a beira da Lagoa Mangueira.
Meu distinto concorrente era um lobinho do mar. Sabia tudo de remar, navegar, velejar. Era o que dizia. E, graças a essa confiança toda, embarcamos, uns 12 ou 15 meninos e meninas, num bote de madeira para dar uma volta pela lagoa.
Logo em seguida, deu para ver que o lobinho era uma anta. Remou para além das ondas pequenas. E elas foram suficientes para nos levar para longe da margem. Ele não conseguia virar o barco. As meninas começaram a gritar por socorro e ninguém nos atendia, certos de que estávamos todos na maior diversão, em mãos seguras de remador experiente. Aí eu, num arroubo de herói, pensando mais em chamar a atenção da menina em questão do que em mim e nas minhas duas irmãs que também estavam no barco, me joguei na água.
Não deu pé. Mas também ainda não era tão fundo que eu pudesse perder a coragem. Aos poucos, dando impulso com os pés no fundo na lagoa, consegui virar o barco aos poucos. Com a proa virada para a margem, ficava mais fácil remar. Mas não me dei por satisfeito. De impulso em impulso, fui empurrando o barco com a ajuda do lobinho que, humilhado, tinha voltado a remar (a favor das ondas, até eu!)
Chegamos todos sãos e salvos. E só aí, nossos pais tomaram conhecimento de que tínhamos corrido o perigo (será que foi perigo real, mesmo?) de nos afastarmos muito. Minha recompensa?Um beijo no rosto de minha amada. Foi só.
No dia seguinte, todos foram embora e logo esqueci dela. A vida continuava.
Tempos depois, em São Lourenço do Sul, convivemos todos juntos.
Fomos amigos.
E ela não ficou com nenhum dos dois.